Dificuldades no diagnóstico de transtorno bipolar em paciente com estado prolongado de mania
Resumo
O Transtorno Bipolar (TB) é uma doença crônica que se caracteriza por uma oscilação do humor entre estados de mania, hipomania e depressão. O TB é uma condição multifatorial e apresenta desafios para a qualidade de vida dos pacientes (Santos, et al., 2022). Este relato de caso apresenta um paciente em um estado maníaco que se estende desde sua adolescência até a idade adulta, sem história de episódio depressivo. Por meio desse relato, espera-se contribuir para a compreensão do TB e suas manifestações, a fim de facilitar o diagnóstico desses pacientes. Paciente TF, homem, 38 anos, foi admitido no pronto socorro por queixa de fraqueza muscular. Relatou ‘’perda total’’ de força em membros superiores e inferiores, com três episódios de queda da própria altura associado a redução da acuidade visual. Apesar da astenia relatada, ele andava sem dificuldade no hospital. TF foi diagnosticado com Esclerose Múltipla (EM) aos 32 anos e faz uso regular da medicação. Tabagista há 21 anos, refere uso casual de cannabis e nega etilismo. Durante a internação, TF manteve fala prolixa com conteúdo grandioso, pressão para falar, fluxo de pensamento acelerado e humor irritado ao ser questionado sobre a fraqueza em membros. Ele não aceitou a conduta médica para controle da dor e questionou a dosagem, e se recusou a tomar gabapentina. Conta que durante a vida escolar tinha intelecto superior aos pares e pouca necessidade de sono. Quando questionado sobre adolescência e vida adulta, apresenta discurso confuso, diz ser artista, musicista e ilustrador. Conta que produz livros desde muito jovem, indo de publicações na Europa a ilustrações anatômicas. O pai faleceu há um ano e TF suspeita que sua mãe esteja envolvida na morte do pai. A mãe de TF conta que o paciente era uma pessoa difícil na adolescência. Teve três tentativas de suicídio durante este período sem sintomas depressivos, apenas agitação. TF era agressivo na infância, porém a mãe percebeu uma piora abrupta da agressividade, com violência sem ser provocado. A mãe relata que está sendo difícil conversar pois ele está taquilálico e ameaçador. Em visita recente, ela atestou que TF mora em lar sujo, não tem autocuidado nem boa alimentação. Acrescenta que o paciente não está tomando os remédios receitados para EM. TF nega ser paciente psiquiátrico e diz que está internado pela neurologia. O paciente não tem insight quanto ao seu diagnóstico de TB-I manifestado pelo episódio maníaco, o qual pode ser intercalado por episódios hipomaníacos e depressivos, diferente do TB-II que predomina a depressão bipolar associada a episódios hipomaníacos (APA - American Psychiatric Association, 2014). Ademais, TF apresenta sintomas que se assemelham à esquizofrenia, como o delírio paranoide, e a EM coexistente levanta um diagnóstico diferencial de transtorno orgânico delirante. Para o diagnóstico de TB-I é essencial entender as diferenças entre mania, hipomania e depressão. A mania é um estado de humor elevado com sintomas como autoestima inflada, redução de sono, pressão para falar e pensamento acelerado, que causa prejuízo no funcionamento social ou profissional do paciente. Esses sintomas se repetem na hipomania, mas por menor tempo e intensidade (APA - American Psychiatric Association, 2014). Já a depressão consiste no humor deprimido durante no mínimo duas semanas associado a perturbações nas funções vegetativas, como: alterações no apetite; diminuição da energia; sentimento de culpa; pensamentos recorrentes sobre a morte, ideação ou tentativas suicidas (Bosaipo, et al., 2017). O manejo do TB-I é feito por estabilizadores de humor, como o lítio (Conde, et al., 2022). A adesão ao tratamento ainda é insatisfatória na maioria dos pacientes com TB por motivos como baixo insight sobre sua condição e receio quanto aos efeitos colaterais dos estabilizadores de humor (Costa, et al., 2021). Por fim, embora a maioria dos casos de TB-I cursem com estados depressivos, é possível a manifestação de TB-I apenas com o episódio maníaco, como no caso relatado (APA - American Psychiatric Association, 2014). Por isso é preciso investigar TB-I em pacientes em expressão de mania, mesmo na ausência de episódio depressivo e não aderência ao tratamento.