De onde vem e para onde vai a minha dor? Corpo como palco do sofrimento psíquico

a arte da cura pela palavra

  • Flávia Angelo Verceze Universidade Estadual de Londrina
  • Vivian Karina da Silva

Resumo

 

“Ópios, édens e analgésicos

não me toquem nessa dor.

Ela é tudo que me sobra.

Sofrer vai ser a minha última obra”

 Leminski, Paulo.

 

Sabemos que o corpo é objeto de estudo de diversos campos do saber. Todavia, dentro dos saberes da saúde, o que se tem observado é uma predominância do corpo biológico, do corpo da anatomia, do corpo da medicina, em detrimento dos aspectos subjetivos. O corpo, no entanto, também é objeto de estudo de disciplinas ligadas à sociologia, antropologia, psicologia e psicanálise.

Freud ao criar a psicanálise vai estabelecer uma ligação entre corpo e sexualidade, afirmando que a partir do corpo que o psiquismo nasce. Assim, para a psicanálise o corpo ultrapassa o somático e constitui um todo em funcionamento coerente com a história do sujeito (Lazzarini & Viana, 2006).

À vista disso, o corpo em psicanálise não pode ser definido somente pelo conceito de organismo ou soma, ele é investido numa relação de significação, isto é, construído a partir da relação que o sujeito estabelece com o mundo através da sua história. Assim, as narrações-histórias dos sujeitos tornam-se extremamente importante ao que diz respeito ao seu corpo e aos processos de saúde e adoecimento.

Neste sentido, para a psicanálise os sintomas não dizem apenas a respeito de uma doença que tenha uma etiologia patológica, o que a distancia da medicina. O adoecimento do corpo está ligado a questões do sujeito, sua história de vida. Isto é, o corpo pode estar servindo como palco para um sofrimento que é de ordem emocional. Desta maneira, torna-se imprescindível interrogar e investigar o que está dando suporte ao sofrimento, pois ao mesmo tempo que o sintoma incomoda, fazendo o sujeito pagar com seu corpo, ele também apresenta uma satisfação, há um ganho secundário em se manter nessa posição – doente. Assim, pode-se dizer que para psicanálise o sintoma não é a doença, mas a verdade do sujeito (Del Corso, 2016).

Desta maneira, a psicanálise entende que o indivíduo e seu corpo são inseridos no registro simbólico. A palavra humaniza o homem, que sai do registro do puro instinto e passa localizar-se no registro da linguagem (Del Corso, 2016). Lacan (1964/2008) ao dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem nos apresenta uma noção de sujeito que se constitui pelo discurso, pela linguagem e laço social marcados pela história. Diante disso, a linguagem passa a ser peça fundamental no entendimento dos adoecimentos, sejam eles representados no corpo ou não. Em vista disso, para a psicanálise tratamentos que visem apenas a remoção dos sintomas não trazem por si só benefício ao sujeito, mas podem mesmo funcionar como uma agressão a este, cujo sintoma diz respeito. Diante disso, nos fica a pergunta: de onde vem a minha dor e a sua?

No que diz respeito a saúde mulher, vem se observando queixas recorrentes de dores severas, é cada vez mais frequente a presença de fibromialgias, artrites, entre outras patologias que causam um intenso sofrimento que se manifesta de maneira difusa o que as leva a buscar inúmeros tratamentos, muitas vezes sem sucesso. Antes de Freud, o sofrimento era um problema estritamente médico que devia ser tratado a base de remédios. Hoje se sabe que muitos adoecimentos não são apenas fenômenos isolados, mas respostas sintomáticas dos indivíduos. Diante disso, torna-se importante pensar o contexto histórico, político e social no qual as mulheres fazem parte. Vivemos em um mundo de origem patriarcal, em que a mulher se encontra em situação de minoria social, apesar de sermos a maior parte da população. Esse contexto coloca a mulher em situação de opressão e violência desde seu nascimento, que vai refletir na sua constituição enquanto sujeito e nas ordens de seus sofrimentos. Não é por acaso que somos as mais assoladas por transtornos mentais e as que mais buscam os serviços de saúde.

É nesse sentido, que abrir um espaço de escuta para que o sujeito possa nomear sua dor constituí uma saída inaugurada pela psicanálise. A palavra pode se apresentar como uma arte de cura, isto é, a partir do momento que sujeito consegue nomear seu sofrimento e articulá-lo a sua história, há uma possibilidade de re-siginificar, elaborar através da palavra, para além do corpo. Possibilitando também que este sujeito desenvolva a capacidade de pensar e se responsabilizar pelo que se tem em conexão com seu corpo. Uma possibilidade de fazer da dor palavra ao invés de doença.

É nisto que o trabalho clínico aposta. Clínico para além dos consultórios, mas significando o inclinar-se diante daquele que sofre. O que vem da fala do outro só pode ser ouvisto depois da enunciação, o que configura um trabalho clínico independente do lugar físico, mas dependente do lugar do outro. A aposta é a partir da escuta –dar espaço livre, buscando nada supor antecipadamente, uma vez que o trabalho de escuta é sempre no momento que acontece.

Neste contexto a poesia também pode ser ferramenta e aparecer para dar vazão à letra. Dar espaço não só para a angústia mas para a possibilidade infinita de criação do inesperado, e assim, do poético. Lacan entrelaçou saber inconsciente e poesia para transmitir a fugacidade de um instante no qual o inconsciente aflora, especificando a verdade como sendo poética, ligando a poesia à transmissibilidade da psicanálise (Carreira, 2014).

Para Lacan a linguagem está bem mais próxima da função poética que da função denotativa - cognitiva da linguagem. Ele afirma que se vai muito longe na elaboração dos efeitos da linguagem, posto que nela se pode construir uma poética que nada deve à referência ao espírito do poeta, nem tampouco à sua encarnação. Mas, diz a respeito da poética de si mesmo (Lannini, 2013). É neste sentido, que propomos um trabalho pautado na ética da psicanálise e sua clínica - a de associação livre poética. Poesia como vazão, produção do vazio - expressão da imagem do desejo do sujeito através da linguagem. “FarmáciadeManipulaçãodeTroposPoéticosSociedadeAnônima que existe e funciona como tudo na vida (...)” (Preciosa, 2010).

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Publicado
2019-03-13
Como Citar
Verceze, F., & da Silva, V. (2019). De onde vem e para onde vai a minha dor? Corpo como palco do sofrimento psíquico. Encontro Nacional De Saúde, Cultura E Arte-MCA, 8(2). Recuperado de https://anais.uel.br/portal/index.php/mca8/article/view/507
Seção
Resumos