Cultura Oral em “Caminho dos Morros” de Cora Coralina
Resumo
O artigo aborda a intersecção entre a literatura de Cora Coralina e a preservação da memória histórica e cultural da região de Goiás, Brasil. Cora Coralina, uma importante poetisa brasileira nascida em 1889, publicou seu primeiro livro, "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais", aos 76 anos, em 1965. Sua obra destaca-se por entrelaçar o pessoal e o coletivo, retratando a paisagem e a memória de Goiás, uma região marcada pela exploração do ouro no século XVIII.
A exploração intensa deixou um legado ambiental, social e cultural que ainda influencia a identidade do povo goiano. Em regiões de mineração, como Goiás, é comum a presença de lendas sobre riquezas escondidas, que conservam a memória histórica e transmitem valores culturais. Essas narrativas orais se contrapõem à história oficial, mantendo vivos os costumes e a identidade de uma população muitas vezes oprimida.
Para entender melhor essa dinâmica, o artigo analisa o poema "Caminho dos Morros" de Cora Coralina, que faz parte de sua obra de 1965. O poema é uma representação metonímica das paisagens e memórias de Goiás, acessando tanto a memória pessoal quanto o imaginário coletivo. Coralina utiliza a poesia para revelar não apenas a geografia física dos morros, mas também as camadas profundas da história, cultura e experiências humanas da região.
No poema, Cora Coralina apresenta o Morro do Zé Mole, que possui um "veeiro" (veio de minério) escondido e encantado. Esse elemento sugere a formação linguística e cultural associada à exploração de recursos naturais. A poetisa atesta a veracidade dessa afirmação com base no conhecimento popular, introduzindo aspectos da crença sincrética e da tradição oral goiana, como a figura de Pretovelho, uma entidade de matriz africana que simboliza sabedoria e memória histórica.
Pretovelho é descrito como um personagem que conhecia o local do filão de ouro, mas só compartilhava essa informação de forma limitada, transmitindo valores contra a avareza e a exploração. A narrativa poetizada de Coralina utiliza elementos da oralidade, como ritmo e rimas, para recriar e perpetuar uma lenda que transmite ensinamentos e valores culturais.
A repetição de versos no poema enfatiza a desconfiança em relação às intenções dos cidadãos da cidade, que se interessam pelo ouro de Pretovelho apenas por ganância. O desfecho mostra que a avareza não leva a nada, pois Pretovelho morre sem revelar o segredo do filão de ouro.
A análise do poema, portanto, demonstra que a poesia de Cora Coralina serve como um meio de preservar e transmitir a memória cultural e identitária do povo goiano. Sua obra permite recriar narrativas de tradição oral, perpetuando uma visão de mundo particular àqueles que compartilham uma formação cultural semelhante.
O artigo conclui que, apesar da institucionalização da escrita e do pensamento racional, a literatura de Cora Coralina resgata e valoriza a tradição oral, oferecendo uma perspectiva crítica e culturalmente rica sobre a história e a identidade do povo de Goiás. A poesia de Coralina, com sua capacidade de ecoar a cultura e os valores populares, reafirma a importância de se ouvir e valorizar as vozes e narrativas que resistem às imposições da história oficial e da racionalidade dominante.