O conceito de Masculinidade(s) à luz da Análise do Comportamento

  • LUCAS ARRUDA MARQUES UEL
  • Camila Muchon de Melo
Palavras-chave: Gênero, Masculinidade, Análise do Comportamento

Resumo

 

  • INTRODUÇÃO

 

 

Ao longo da história, cientistas estudaram o comportamento dos seres humanos conforme os seus sexos, definindo o homem e a mulher como uma consequência exclusivamente anátomo-fisiológica. Ou seja, a genitália a qual apresentasse definiria não só o sexo de uma pessoa, mas também o comportamento esperado dela (Botton, 2007). Essa perspectiva essencialista, que teve como base os estudos evolucionários do século XIX, dispensava discussões socioculturais sobre o fenômeno do gênero, que, na época, ainda não era levado em consideração.

Foi com o advento do movimento feminista da segunda metade do século XX que o comportamento dos sexos começou a ser compreendido de outra maneira (Botton, 2007). Com a famosa frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (Beauvoir, 1967, p. 9), a feminista Simone de Beauvoir expõe uma nova tese sobre o conceito de gênero, argumentando que este seria construído socialmente, e não determinado biologicamente (Beauvoir, 1967). 

Além disso, a crítica feminista também atribuiu um novo siginificado ao termo “patriarcado”, atribuíndo-o como um sistema de poder entre os gêneros que situa o homem como dominante e a mulher como oprimida por esse (Hirata et al., 2009). Por meio destas reivindicações, as feministas exigiram seus direitos e denunciaram as desigualdades das quais sofriam – e ainda sofrem –, sejam elas sociais, econômicas, salariais ou culturais (Giffin, 2005). Estes dois progressos feministas foram importantes para iniciar a discussão sobre a masculinidade e sua relação com o sistema de gênero.

Conforme os estudos sobre a feminilidade avançavam, a masculinidade também passou a ser debatida. Nos anos de 1970, coletivos masculinos foram formados, em que homens discutiam suas próprias posições no patriarcado. Surpreendentemente, em meio ao reconhecimento das críticas concedidas a eles, os homens começaram a compartilhar vestígios de sofrimento que eles próprios experimentavam no mesmo sistema que lhes empoderava (Giffin, 2005). 

Hoje, diversos estudos mapeiam com mais precisão esses sofrimentos relatados. Um estudo da Associação Americana de Psicologia (APA, 2018), indica que a socialização masculina pelos padrões de masculinidade tradicionais gera prejuízos psicológicos e emocionais aos homens, além de torná-los mais prováveis a se envolverem em comportamentos de risco, como fumar ou beber em excesso. Um estudo da Flacso Brasil (Waiselfisz, 2015), também aponta que o número de suicídios de homens brasileiros é quase quatro vezes maior que o das brasileiras, sugerindo que essa população experimenta um sofrimento intenso atrelado ao seu gênero. Somado a isso, em uma pesquisa realizada com 491 homens, 30,7% responderam que concordam em algum grau com a frase “eu dificilmente admitiria para alguém caso ferissem os meus sentimentos” (Françoia et al., 2021). 

Entretanto, é importante ressaltar que os danos experimentados por estes não negam a posição de privilégios que ocupam no patriarcado, mas indicam perdas que este sistema acarreta também às suas subjetividades. Essas perdas formam uma “tríade de violência”, estabelecida por Kaufman (1978) como de um homem contra mulheres, contra outros homens e contra si mesmo, e devem ser levadas em consideração para a análise e proposição de soluções para problemas que envolvam masculinidade.

Observa-se, portanto, que o debate sobre a temática do gênero se desenvolveu ao longo da História, e perdura até hoje. Percebe-se, também, que os homens experimentam um sofrimento exclusivo da sua população. Diversas abordagens e disciplinas começaram a estudar e contribuir com o tema da masculinidade, como a Antropologia, a Sociologia, a História e as Ciências Sociais. Entretanto, para a masculinidade ser estudada à luz da Ciência Comportamental, é necessário situá-la dentro do escopo teórico analítico comportamental.

A Análise do Comportamento é uma ciência que estuda o comportamento, sendo a filosofia dessa ciência, o Behaviorismo Radical. Dessa forma, ela compreende o ser humano como um organismo que interage com o seu ambiente (seja ele físico ou social), produz, e entra em contato com as consequências do que produziu. Isso é o que esta ciência entende como comportamento: uma interação entre o organismo e seu ambiente, que se modificam mutuamente (Skinner, 1974/2012). Os comportamentos, portanto, podem ser mantidos ou extintos conforme as interações que estabelecem com seu meio.

À nível cultural, Skinner define que o comportamento das culturas sobrevive conforme a sua própria manutenção, ou seja, conforme as consequências que produz favoreçam a sua perpetuação (Skinner, 1981). Portanto, se as práticas de masculinidade hegemônica se mantiveram ao longo do tempo, compreender quais as consequências que estas produzem no seu ambiente e como elas favorecem a sobrevivência e perpetuação de determinadas populações é necessário para mudá-las.

Percebe-se, portanto, que o estudo e a conceituação do comportamento cultural é útil para a compreensão da masculinidade e de comportamentos machistas e sexistas, que envolvem sofrimentos experimentados por homens e mulheres. Portanto, este trabalho pretende discutir alguns artigos e dissertações analítico-comportamentais, selecionados de forma não-sistemática por meio de bases de dados científicas e revistas científicas disponíveis na internet, que abordem a masculinidade, a fim de investigar o cenário atual da temática nessa abordagem.

 

 

  • DESENVOLVIMENTO

 

 

  1. F. Skinner (1980), um dos principais teóricos do Behaviorismo Radical, comenta sobre a influência do ambiente social na diferença entre os comportamentos apresentados por meninos e meninas. No trecho a seguir, o autor demonstra concordar com as conclusões de Beauvoir sobre a determinação social do gênero, em detrimento da determinação biológica:

Meninos  são  menos intimidados por pequenos ferimentos. Eles escalam brinquedos de formas mais prováveis de produzir cortes e machucados. Eles correm mais rápido sobre terrenos acidentados, mesmo caindo com mais frequência. Esses são os fatos disponíveis. Mas eles fazem tudo isso porque se percebem como menos vulneráveis? Não seria simplesmente porque as contingências sociais diferem? É menos provável que meninos sejam “consolados” por pequenos ferimentos, e mais provável que sejam censurados por chorar (Skinner, 1980, pp. 346–347). 

 

Kuch e Dittrich (2023), em um artigo de 2023, situam uma possível interpretação do conceito de masculinidade como uma prática cultural contextualmente selecionada, que influenciaria a relação de homens com outros homens, com mulheres e com eles mesmos. Os autores utilizaram teorias de cientistas sociais como R. W. Connel e M. S. Kimmel, mas encontraram limites por não se tratar de autores autodeclarados monistas – pressuposto filosófico da Análise do Comportamento.

Rocha Júnior, Marques e Oshiro (2022), abordaram a masculinidade no contexto clínico, ao pesquisar as incongruências entre a prática da masculinidade hegemônica e a prática terapêutica. No artigo, eles levantam importantes alertas para homens terapeutas não reproduzirem contextos hostis em sessão, como práticas não empáticas e agressivas apreendidas, mantidas e reforçadas na socialização masculina.

O artigo “Análise gendrada de queixas clínicas: uma abordagem feminista de gênero”, de Backschat e Laurenti (2023), se configura como uma revisão de literatura da Revista Brasileira de Terapia Comportamenal e Cogntivo (RBTCC). A revisão buscou verificar se os estudos de caso publicados por esta Revista levavam em consideração as contingências sociais patriarcais na compreensão das queixas clínicas dos seus casos. O artigo concluiu que apenas um, de 21 deles, articulou a queixa do cliente com alguma variável cultural atrelada ao seu gênero.

 

 

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

Este resumo é oriundo de uma pesquisa de Iniciação Científica não concluída; portanto, a seleção sistemática dos artigos a serem discutidos, e análises de seus conteúdos – como a prevalência de publicações ao longos dos anos e a discussão de cada artigo –, serão feitas durante a pesquisa.

A partir das informações coletadas até o momento, foi possível perceber que a produção de literatura a respeito dessa temática ainda é primitiva. A constatação acima está de acordo com a revisão de literatura de Cravo, Almeida-Verdu e Costa-Junior (2022), a qual aponta que o aumento de publicações em análise do comportamento sobre sexualidade e gênero teve início em 2014. Por outro lado, a pesquisa apresenta um cenário otimista, de crescente avanço das pesquisas sobre a solução dos problemas que envolvem a masculinidade e a redução do sofrimento masculino, e o presente trabalho representa parte deste avanço. 

 

REFERÊNCIAS

 

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSICOLOGIA (APA). Boys and Men Guidelines Group: guidelines for psychological practice with boys and men. 2018. Disponível em: <https://www.apa.org/about/policy/boys-men-practice-guidelines.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

BACKSCHAT, L. de P. V. .; LAURENTI, C. . Análise gendrada de queixas clínicas: uma abordagem feminista de gênero. Perspectivas em Análise do Comportamento, [S. l.], p. 122–137, 2023. DOI: 10.18761/vecc01032023. Disponível em: <https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/981>. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Tradução de Sérgio Millet. 2ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967.

 

CRAVO, F. A. M.; ALMEIDA-VERDU, A. C. M.; COSTA-JUNIOR, F. M. Revisão de literatura da produção analítico-comportamental nacional sobre gênero e sexualidade. Perspectivas em Análise do Comportamento, [S. l.], v. 13, n. 2, p. 247–265, 2022. DOI: 10.18761/a52affa6. Disponível em: <https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/924>. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

FRANÇOIA, C. R.; RODRIGUES, A. L. S.; SANTOS, E. F.; KUCH, I. E.; CORDEIRO, V. M. P. Configurações de Masculinidade(s) e Bem-estar Psicológico dos Homens. Cadernos de Gênero e Diversidade, [S. l.], v. 7, n. 4, p. 98–133, 2022. Disponível em: <https://periodicos.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/37790>. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

GIFFIN, K. A inserção dos homens nos estudos de gênero: contribuições de um sujeito histórico. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2005, v. 10, n. 1 [Acessado 11 Agosto 2024], pp. 47-57. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000100011>. Epub 11 Jun 2007. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000100011.

 

HIRATA, H.; LABORIE, F.; DOARÉ, H. L.; SENOTIER, D. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

 

KAUFMAN, M. The Construction of Masculinity and the Traid of Men’s Violence. Toronto: Oxford University Press, 1987.

 

KUCH, I. E. .; DITTRICH, A. As masculinidades como variáveis relevantes para analistas do comportamento: Reflexões teóricas e práticas. Perspectivas em Análise do Comportamento, [S. l.], p. 154–169, 2023. DOI: 10.18761/vecc291122a. Disponível em: <https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/982>. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

ROCHA JUNIOR, J. E. G.; MARQUES, N. S.; OSHIRO, C. K. B. Potenciais efeitos da socialização masculina no desenvolvimento de habilidades terapêuticas. Perspectivas em Análise do Comportamento, [S. l.], p. 027–041, 2023. DOI: 10.18761/vecc161022. Disponível em: <https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/970>. Acesso em: 11 ago. 2024. 

 

SKINNER, B. F. Notebooks. 1st Ed. Englewood: Prentice-Hall, 1980.

 

SKINNER, B. F.. PORQUE EU NÃO SOU UM PSICÓLOGO COGNITIVISTA. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, [S.l.], v. 3, n. 2, mar. 2012.

 

SKINNER, B. F. Selection by Consequences. Science, New Series, Vol. 213, No. 4507. 1981, pp. 501-504.

 

WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015. 1a Ed. Brasília: Flasco Brasil, 2015. Disponível em: Disponível em <www.mapadaviolencia.org.br>. Acesso em 11 de ago. 2024.

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Publicado
2024-08-27