TRICOBEZOAR GÁSTRICO RECIDIVANTE ASSOCIADO À DOENÇA PSIQUIÁTRICA: UM RELATO DE CASO
Resumo
Os tricobezoares resultam da ingestão de cabelo humano, cabelo de bonecas, pelos de animais ou fibras de tapetes. Acumulam-se na luz do trato digestivo, principalmente estômago e porções iniciais do intestino delgado 1, 2, 3. Relaciona-se com os distúrbios psiquiátricos de tricotilomania, impulso incontrolado de puxar e arrancar o próprio cabelo, e tricofagia, mastigação e ingestão do cabelo arrancado com intuito de escondê-lo 2,4. Contudo, a formação dos tricobezoares é rara, presente em apenas 1% dos pacientes com tricofagia 3. O objetivo do artigo é relatar um caso redicivante de tricobezoar gástrico, destacando sua associação com os distúrbios psiquiátricos de tricotilomania e tricofagia. Paciente do sexo feminino, 24 anos, com queixa de dor epigástrica intensa, há 1 semana, irradiando para dorso, piorando em jejum e acompanhada de náuseas. História prévia de tricotilomania, tricofagia e retirada de tricobezoar há 5 anos, sem demais comorbidades. Ao exame físico, abdome plano, normotimpânico, doloroso à palpação profunda difusa, principalmente em epigástrio. Sem alterações de exames laboratoriais. Em tomografia contrastada (TC) de abdome, evidenciou-se imagem ovalada heterogênea, com limites bem definidos, em região de piloro gástrico, sem sinais de obstrução (Figura 1). Assim, sob hipótese diagnóstica de bezoar, a paciente foi submetida à Endoscopia Digestiva Alta (EDA), com evidência de tricobezoar de grande dimensão, com progressão restrita em junção gastroesofágica e consequente impossibilidade de retirada via EDA. Paciente foi encaminhada, então, à intervenção cirúrgica com retirada do tricobezoar de 8 cm por laparotomia (Figura 2). Pós-operatório sem intercorrências, com alta hospitalar após 2 dias. Foi orientada dieta pastosa por 1 semana e encaminhamento a centro de atenção psicossocial. Tricobezoar gástrico é raro, mas omumente reincidente, como no caso. Acomete, em sua maioria, mulheres jovens, com histórico de tricofagia, que pode ter início logo na infância 3. Sem etiologia única, está associado a condições psiquiátricas, como ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, pica e onicofagia 1,2. Se não diagnosticado, torna-se grave, com taxa de mortalidade de 30% 2. Os fios ingeridos param no estômago e aderem à parede pela ação do muco gástrico, se entrelaçando em formato de bezoar. Este facilita a retenção de alimentos, gerando aumento do volume da massa intragástrica, obstrução mecânica e compressão parietal 2,3. O quadro varia conforme a localização e volume da massa, a capacidade de distensão estomacal e as complicações decorrentes do quadro 2,3. Os intomas incluem dor abdominal difusa, ausência de evacuação e flatos, vômitos com cabelos e odor fecaloide, saciedade recoce, diarreia e hematêmese 2. No exame físico, pode haver massa abdominal palpável e alopecia em diversas regiões corporais 2, não observadas no caso, uma vez que a paciente utilizava mega hair, o qual também ingeria os fios. Os exames diagnósticos variam entre TC, EDA e Ultrassonografia. A EDA também pode ser usada, em casos de massas pequenas, como método terapêutico menos invasivo quando comparada à cirurgia 3. No relato descrito, a dimensão do bezoar levou à indicação de tratamento cirúrgico. Apesar de raro, o tricobezoar deve ser considerado como diagnóstico diferencial de abdome agudo obstrutivo em pacientes com histórico de tricofagia e tricotilomania. O quadro clínico é variável. Em geral, independente do tipo de tratamento, este objetiva retirar o tricobezoar e prevenir sua reincidência, devendo ser aliado ao tratamento psiquiátrico, assim como no caso em questão.