FENÔMENO DE LÚCIO COMO APRESENTAÇÃO RARA DE HANSENÍASE: UM RELATO DE CASO
Resumo
A hanseníase é uma doença causada por Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis. Envolve a pele e os nervos periféricos, apresentando diversas manifestações que refletem a resposta imune às micobactérias.1 Apesar da queda de prevalência nas últimas décadas, ainda há inúmeros novos casos e o Brasil é responsável por 94% das notificações nas Américas.1 Em geral, a hanseníase é mais comum entre os homens, numa proporção de aproximadamente 1,5 para 1.1 Acredita-se que a transmissão ocorra intra-domiciliariamente por via respiratória, através da secreção nasal de pacientes não tratados. 1,2 Na classificação de Madri, considera-se polos estáveis e opostos (virchowiano e tuberculóide) e grupos instáveis (indeterminado e dimorfo), que caminham para um dos polos na evolução natural da doença.1 O tratamento compreende poliquimioterapia específica, supressão dos surtos reacionais, reabilitação física e psicossocial.1 O objetivo do presente estudo é relatar um caso de hanseníase com apresentação de lesões de fenômeno de Lúcio. Paciente do sexo masculino, 39 anos, que trabalha em penitenciária como pedreiro, procurou atendimento médico pois queixava-se de lesões bolhosas, hipocrômicas e ulceradas, com regiões de necrose, em antebraço direito e esquerdo (Figura 1), de surgimento há 3 dias. Além disso, apresentava lesões pápulo-pustulosas não pruriginosas em quadrantes inferiores do abdome há 5 anos (Figura 2), com episódios de remissão e reativação sem fatores causais. Evoluiu com hipoestesia em membros superiores, surgimento de lesão nasal associada à epistaxe e lesão infiltrada em lóbulos das orelhas, além de madarose (Figura 3). Após investigação, o paciente apresentou biópsia de pele compatível com hanseníase, além de confirmada a presença de bacilos álcool-ácido resistentes em linfa. Consolidado o diagnóstico, foi prescrito poliquimioterapia multibacilar. Permanece em acompanhamento ambulatorial, apresentando no período algumas intercorrências e má adesão ao tratamento. A forma virchowiana é altamente contagiosa, na qual o M. leprae dissemina-se pela via hematogênica.1 Essa forma pode evoluir com um quadro reacional chamado de Fenômeno de Lúcio (FL), o qual apresenta-se como máculas eritematosas que podem progredir para lesões cutâneas necrotizantes e ulceradas em pacientes hansênicos.3 Essa lesão é indicativa de detecção tardia, visto que a demora na investigação permite a progressão e a maior gravidade dos sintomas.2 Tal atraso diagnóstico ocorre não somente por fatores individuais, como a crença na melhora espontânea, como também problemas estruturais dos serviços de saúde, cujos profissionais muitas vezes não sabem reconhecer a doença.2 Além disso, a estigmatização social de lesões hansênicas também leva ao atraso da procura médica, gerando um ciclo vicioso de detecção tardia e piora dos sintomas.2 No presente estudo, o fenômeno de Lúcio foi observado em paciente sem diagnóstico ou tratamento prévio da doença, com sintomas arrastados, e que procurou serviço de saúde por conta da piora das lesões necróticas. Os dados estão em consonância com a literatura, visto que a forma mais grave da doença é majoritariamente observada em homens, de 30-50 anos, sem conhecimento da doença, e que vivem em ambiente favorável à disseminação da micobactéria2 - nesse caso, a penitenciária em que trabalhava. Dessa maneira, pelo atraso na detecção da patologia estar relacionado diretamente ao aumento da incapacidade dos pacientes, nota-se a importância de um diagnóstico precoce e bem acurado.