Subversão feminina, patriarcado e feminicídio
um olhar sobre o conto A Curva, de Henriette Effenberger
Resumo
Este trabalho contempla a análise do conto A Curva, de Henriette Effenberger. A principal finalidade foi perceber a ideologia da emancipação feminina que permeia determinadas ações da protagonista, a fim de refletirmos sobre a evolução causada pelo movimento feminista na sociedade. Por outro lado, com o objetivo de destacar a persistência das práticas androcêntricas, houve a abordagem das ideologias contrárias à independência feminina, presentes no conto por meio da figura masculina, para retratarmos a predominância do patriarcado. Objetiva-se, assim, refletir sobre a prática do feminicídio, no âmbito as relações afetivas, como consequência de um falocentrismo responsável por autorizar a ocorrência de tais crimes. Para tal, duas perspectivas foram levadas em conta: a crítica literária feminista interligada à filosofia que aborda os movimentos emancipatórios da mulher; e a Análise do Discurso francesa (AD) juntamente com o conceito de ideologia. No primeiro caso, levamos em conta a parte da crítica literária feminista que focaliza os textos escritos por mulheres – a ginocrítica, explorada nos trabalhos de Showalter (1977), de Xavier (2007), etc. –, bem como os preceitos de estudiosos das áreas filosófica e literária que voltam seus olhares para a opressão de gênero na sociedade, tais como: Bourdieu (2002), Beauvoir (1980), Gomes (2015). Em se tratando da AD, priorizaremos os estudos realizados por Authier-Revuz (2004), e Pêcheux (1990), pois todos consideram os comportamentos dos indivíduos como sendo frutos de atravessamentos ideológicos e construções sociais. Ainda no âmbito discursivo, consideramos o detalhamento feito por Brandão (1997) acerca do que Althusser (1970) e Ricoeur (1977) falam sobre o fenômeno ideológico atrelado a certas funções. Em A Curva, é narrada a história de um casal cuja mulher decide sair de casa após várias brigas com o marido. Após o abandono, o homem não se conforma e passa a aguardá-la debruçado à janela, olhando sempre para a curva da rua. Em tal ponto, podemos notar que os elementos com os quais ele, mentalmente, a descreve, revelam-nos escolhas mais recatadas quanto ao vestuário, sugerindo um “padrão ideal” de roupas femininas. Uma perspectiva que levamos em conta, nesse caso, é a de Pêcheux (1990), afinal o enunciador adota imagens de si, do outro e da sociedade. No entanto, vemos que as imagens mentais construídas pelo marido sobre a esposa epresentam, segundo Authier-Revuz (2004), a existência de outras vozes atravessando-o. No final do conto, a mulher volta para casa, porém dirigindo seu veículo e utilizando vestes mais despojadas, que simbolizam a liberdade de seu corpo. A partir do ponto em que a consorte se projeta fora das expectativas do marido, há uma reação violenta dele, que a assassina “com um tiro certeiro no coração” (EFFENBERGER, 2008, p. 35). Esse desfecho nos remete às relações de dominação estudadas por Pêcheux, afinal a esposa é assassinada por não corresponder à imagem mental do marido, sofrendo o castigo homicida por tentar se ver livre das algemas do patriarcado.