Black Mirror
reflexões sobre parentalidade, narcisismo e o mundo digital no contemporâneo
Resumo
Este é um trabalho que se propõe a analisar por meio da teoria psicanalítica, um episodio da série Black Mirror, que apresenta uma família composta por uma mulher - Marie, sua filha – Sara, e seu avô – Russ, todos moram na mesma casa. O episódio apresenta as dificuldades da mãe em tolerar experiências dolorosas e frustrantes vividas pela filha, e diante disso, realiza um implante digital que monitora e armazena toda a vida da filha. Além disso, a mãe pode optar em impedir a visão, por parte da filha, de cenas de agressão e violência, evitando que Sara entre em contato com situações que causem medo. Como objetivo pontua-se analisar a relação estabelecida entre mãe e filha, permeada pela interação com aparelhos e aplicativos, através de conceitos psicanalíticos. Enquanto metodologia, trata-se de uma pesquisa teórico-conceitual a respeito do narcisismo parental, na teoria psicanalítica. Quanto aos resultados, discute-se que Marie demonstra sentir angústia de separação e intrusão: separação da célula narcísica mãe-bebê, além da ausência da função paterna que interfere em tal simbiose. Esta questão, entretanto, é ainda permeada pela presença de um aparelho digital, que monitorava a localização, informações do corpo e gravava todas as imagens da vida de Sara. Assim, Marie poderia visualizar os lugares, situações e encontros vividos pela filha. Nesta dinâmica, elas vivem a teoria freudiana chamou de narcisismo primário, ou seja, momento no qual os desejos dos pais são impostos sobre a criança, colocando seus ideais e expectativas. Diante disto, destacamos a importância deste investimento, já que é necessário para o desenvolvimento da subjetividade do filho e pelo desenvolvimento do ego ideal. Porém neste caso, não há separação, já que a mãe não coloca ausências para Sara, e se mantém onipresente. As possíveis consequências disto seriam a dificuldade de Sara em lidar com frustração, bem como situações de desprazer e expressão da agressividade. Destacamos também que quem faz o papel de “Sua Majestade, o bebê” no episódio é a mãe. Já que ela se apresenta como ‘uma criança desamparada’, que tem medo de separação e evita o sofrimento da filha a todo custo por meio do chip, impondo esta dinâmica no vínculo com a filha. Isto poderia ocorrer porque acreditamos que a capacidade dos pais de se frustrarem influência e eventualmente dificulta a possibilidade de frustrarem seus filhos, e com isso, romper a onipotência narcísica. Além disso, entendemos a utilização da tecnologia como forma de controle, mas também como meio de viver apenas a presença e não lidar com a ausência. Se em outros contextos era possível que a mãe exigisse a presença do irmão ou de uma pessoa adulta para que o/a filho fosse a uma festa, viagem, o uso da tecnologia resultou na presença constante da mãe na vida da filha, com a justificativa de evitar a todo o custo, o sofrimento da filha, que na verdade, seria a impossibilidade da mãe em separar-se da filha e suportar o sofrimento da mesma diante das demandas e experiências da vida.