A Escrita no real
análise do documentário “com a palavra, Arnaldo Antunes”
Resumo
O real se trata de um dos conceitos mais importantes e mais complexos para a teoria psicanalítica lacaniana. Esse conceito é considerado um dos registros do sujeito que, enlaçado ao ternário simbólico e ao imaginário, formam o nó borromeano, estrutura topológica essencial para Lacan teorizar sua noção de estrutura subjetiva. O nó borromeano se mostra na topologia como três círculos unidos que, ao cortar um deles, todo o enodamento se desfaz. Isso se refere ao fato de os registros existirem simultaneamente e, se um deles não estiver ali, nenhum dos três se mantém. O registro do real mostra uma dimensão material do sujeito. O registro do simbólico denota a incidência da linguagem enquanto produtora de cadeias significantes, de uma narrativa, de uma história. Segundo a teoria psicanalítica, o registro do imaginário se relaciona à realidade ficcional, constituída com artifícios de imagem, sendo ela de um corpo, dado que a criação imaginária marca uma fixidez fantasística. Diante da dimensão material do sujeito, nua e crua, evidenciada pelo real, entende-se que não é possível a criação de uma explanação de uma história que seja feita apenas de real. Ele depende dos outros registros para que se mostre e seja marcado. Atualmente, os sintomas contemporâneos que aparecem na clínica parecem denotar um predomínio e uma exacerbação do real vivido no corpo, nisso que é pura matéria. Na obra “Com a palavra, Arnaldo Antunes”, é possível analisar as criações produzidas pelo cantor enquanto uma tentativa de contornar e de fazer letra, verso, som e rabisco no real, por meio de intervenções artísticas que o fazem borda. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é fazer a relação entre o conceito lacaniano de real e as produções artísticas, visuais e sonoras de Arnaldo Antunes, expostas no documentário disponível pela Netflix. O método utilizado foi a análise documental, com o uso do aporte teórico de cunho psicanalítico lacaniano. Por meio da obra de Arnaldo Antunes, entende-se que o autor faz uso de elementos artísticos que se usam de junção de palavras, ferramenta que o próprio Lacan utilizava, para que esses neologismos produzam algo que foge do sentido simbólico e conceitual sobre algo, mas que se propõem a afetar um corpo, a matéria, o real, o sujeito. Além disso, Arnaldo Antunes sugere uma nova apreensão das palavras faladas, escritas e ouvidas. Longe de estarem estruturadas, formatadas e ditas corretamente, essa nova escrita engendra o estatuto singular do sujeito que a produziu. Essa é a aposta de uma psicanálise: fazer emergir um sujeito que produza aquilo que deseja, aquilo que o toca, que movimenta seu corpo. Portanto, as produções do multiartista parecem conciliar com as intervenções psicanalíticas, principalmente estando essa cada vez mais convocada a trabalhar com sujeitos que possuem sintomas contemporâneos de exacerbação do real. Há, então, uma produção que pode surgir de um sintoma sem narrativa: fazer dele arte singular.