Linhas de subjetivação nas famílias
cartografando transformações
Resumo
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), desde sua implantação em 2005, tem como foco de suas ações a centralidade na instituição familiar. Segundo os documentos desta política, a atuação do profissional de Psicologia visa contribuir para o fortalecimento da função protetiva das famílias (Brasil, 2004; Brasil, 2006). Mioto (2010) concebe a família como um espaço complexo construído e reconstruído cotidianamente ao longo da história, valendo-se de diversos valores, dispositivos e agentes sociais. Diante das transformações ocorridas na instituição familiar nos últimos anos, o objetivo do presente trabalho consiste em cartografar algumas das linhas que atravessam essa instituição a fim de compreender as maneiras como as famílias são concebidas e acolhidas nos serviços públicos de proteção a elas ofertados. Assim, a pesquisa buscou caracterizar as transformações da instituição família no cenário contemporâneo. Para tanto, orientou-se pelo seguinte percurso: inicialmente, realizou-se levantamento teórico sobre as transformações familiares vividas desde o final do século XX, recorrendo a teóricos como Ariès (1981) e Donzelot (1986). Essas linhas históricas serviram como base para elaborar o segundo momento da pesquisa que consistiu em compreender a emergência histórica de outros contornos sociais desenhados mais recentemente nessa instituição e que, em alguma medida, deixam entrever uma espécie de desgaste da organização familiar no formato nuclear burguês (Carvalho; Mansano, 2017). Dentre essas linhas, destacam-se: o aumento significativo de novos arranjos familiares; as novas atribuições colocadas para a mulher na família contemporânea; a abertura das famílias para entrada e intervenção direta de outras instituições como o Estado, a mídia, a medicina e a justiça em seu cotidiano e a responsabilização da família pelos problemas sociais por elas enfrentados. Essas descrições foram relacionadas ao trabalho com famílias ofertado pelo SUAS no qual, atualmente, há muitos profissionais da área social que atuam como agentes normalizadores, reproduzindo o exercício de poder institucional que incide sobre as famílias há anos (Carvalho; Mansano, 2017). Na análise dessas linhas, foi possível constatar que há gerações inteiras de famílias sendo vigiadas, controladas e sujeitadas a valores conservadores e à práticas normatizadoras que lhes propõem, ou mesmo impõem, modelos a serem seguidos independentemente das experiências singulares vividas no cotidiano (Roudinesco, 2003). Como conclusão parcial, pode-se dizer que as transformações da família contemporânea ainda estão longe de serem compreendidas em sua dimensão de resistência, criação e ruptura. A ideia de crise da família se sobrepõe às transformações, sendo tratada como algo prejudicial sob o ponto de vista normativo e precisando ser amplamente combatida com a ajuda das demais instituições. Ao final do estudo, foi possível compreender que as transformações institucionais familiares acontecem em meio à ação de múltiplas forças sociais que se enfrentam. Cabe aos profissionais da Psicologia sustentar uma sensibilidade crítica para compreender tais linhas, bem como os afetos e rupturas presentes nas relações familiares da contemporaneidade, abrindo espaços para acolher, de maneira mais contextualizada, suas novas expressões.