A Medicalização do luto num contexto de biopolítica
Resumo
Ao pensar os processos de saúde e doença em Psicologia, faz-se importante olhar para os manuais diagnósticos. O DSM-5 foi muito criticado, pois vários aspetos da vida cotidiana passam por um processo de patologização e medicalização. O luto é um processo da vida cotidiana, diferente dos demais por ser algo inerente à existência humana e por ser uma experiência estruturante, pois ao se deparar com a morte o homem se depara com a sua impossibilidade. Esta pesquisa surge da questão: como os processos de luto são citados nos DSMs e como se construiu o processo de psicopatologização desta experiência? Trata-se de uma pesquisa descritiva qualitativa, documental. Este estudo teve como foco a descrição dos processos de luto no DSM-5, que apresenta a possibilidade do luto ser caracterizado como um transtorno do humor. Foi realizado um mapeamento de elementos característicos desses processos nas edições do DSM. A forma de lidar com a morte está relacionada a aspectos culturais; o luto, antes compreendido como uma dor a qual a sua manifestação era legítima e necessária, agora apresenta uma nova configuração, na qual a sociedade exige dos enlutados um autocontrole. Segundo Foucault, a biopolítica tem como alvo o homem como ser vivo e como espécie; tem como objeto de intervenção, os processos biológicos dos fenômenos populacionais; pretende estabelecer sobre os homens uma espécie de regulamentação. A medicina social diz respeito a uma sucessão de estratégias biopolíticas para controle e gestão da população, visando uma atuação preventiva contra qualquer possibilidade de perigo. A população passa a ser um problema biopolítico devido à complexidade da sua natureza e é em função dela que se estabelece uma classe de medicalização. A psiquiatria abdica de sua função de cura e passa a concentrar-se no papel de proteção e ordenação social e biológica, tornando as fronteiras entre o normal e o patológico cada vez mais ambíguas, naturalizando a medicalização de comportamentos, estendendo-se a todos os domínios da existência. Pode-se pensar nas estratégias de classificação dos manuais diagnósticos, como dispositivos biopolíticos. O movimento de psicopatologização das experiências cotidianas ocorre ao longo das edições do DSM, tendo seu ápice no DSM-5. Isto ocorre com outros transtornos além do luto. O luto foi retirado dos critérios de exclusão do diagnóstico do Transtorno Depressivo Maior, portanto, alguém que está passando por um processo de luto pode ser diagnosticado com depressão caso os sintomas persistam por mais de duas semanas; isto pode incentivar o diagnóstico prematuro de depressão na sequência ao luto. Há uma preocupação de que pacientes em luto possam ser prescritos com antidepressivos para administrar as reações esperadas ao luto. O DSM-5 também propõe o “Transtorno do Luto Complexo Persistente”, é a primeira edição do DSM que sugere o luto patológico como uma categoria diagnóstica. Pode-se perceber uma mudança no período de tempo em que as reações ao luto são consideradas esperadas, passando de três meses no DSM-III-R para dois meses no DSM-IV e duas semanas no DSM-V. Portanto, concluímos que este manual continua patologizando e permitindo uma medicalização da vida cotidiana, e do processo de luto.